Luís Ferreira
Posted 29 Março, 2012 at 08:05 | PermalinkNem é tanto isso, Fado Alexandrino, é bem pior. É acabar com conceitos e com pensamento, pura e simplesmente. Há umas semanas atrás estive à conversa com alguém que se dedica ao estudo da Filosofia e esse meu conhecido disse-me, e eu acreditei à primeira, que a Crítica da Razão Pura do Kant se torna ilegível se for vertido para o Acordo. Se acrescentarmos a isso uma colecção de palavras malditas, muita da Literatura, dos escritos de Filosofia, de Religião e de Política, por exemplo, ficam simplesmente ilegíveis. O que está a fazer é a caminhar para uma lavagem ao cérebro à escala planetária. Esta tentativa não me surpreende, o que me surpreende é a forma passiva como pessoas que eu pensava cultas e inteligentes, mesmo não concordando com elas, estão dispostas a aceitar o facto como bom. O que me surpreende é ver cultos políticos opostos a esforçarem-se no mesmo sentido, porque, provavelmente, o resultado é relevante para uns e para os outros: a estupidificação dos povos.
Devagar, devagarinho, isto está a acontecer. E onde estão os homens e mulheres de cultura? Os nossos jornalistas? Alguns levantam-se e falam uma vez ou outra no assunto mas logo se calam envergonhados, porque a moda, o que é politicamente correcto, é estar de acordo com as alterações de fundo que estão a acontecer e depois de falar uma vez ou outra ficam com as consciências descansadas e lavam as mãos como Pilatos. O ocidente está na miséria económica e vai ficar na miséria intelectual. Há maior miséria do que essa? Qual é, afinal, a condição singular do Homem? Não é o pensamento? Sem palavras, sem vocabulário, sem estruturas gramaticais sofisticadas, como se pensa? Como se transporta esse pensamento para a escrita? Temos, alguns de nós, de voltar ao latim?
É por estas e por outras que eu sou radicalmente contra tudo o que possa limitar a capacidade de pensar e, no caso português, o que nos afecta muito e para já, o dito Acordo Ortográfico. É por estas e por outras que eu, para além, de ter assinado a ILC – https://ilcao.com/ – me tornei uma espécie de voluntário a recolher assinaturas, seguro de estar a contribuir para a sobrevivência de uma língua, em que já foram escritas poesia e prosa da mais elevada qualidade.
[Transcrição integral de comentário da autoria de Luís Ferreira, em “post” com o título “Sharia” no blog “Blasfémias“.]
15 comentários
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Muito bem, Luís Ferreira! Partilho inteiramente da sua opinião e ainda da lucidez e emoção com que a exprime. E também eu ando por aí a recolher assinaturas para esta ILC: não me é possível ver destruir a nossa língua e ficar impávida e serena!
E não perdoo a cobardia dos que SABEM o que está em causa e, por comodidade, interesse ou outra coisa qualquer, se calam ou até apoiam! LARVAS!
Em qualquer parte “decente” do mundo LIVRE, a elite intelectual ouvir-se-ia e os políticos seriam obrigados a ouvi-la.
Mas eu pergunto-me e pergunto aos portugueses: acham que vivemos em democracia? Recordo que esta assenta em três pilares fundamentais: – a soberania do povo (eleições livres), a progressão dos direitos do Homem, a gestão das contradições (diálogo permanente para ultrapassar em comum as diferenças e gerar consensos). Ainda temos o primeiro destes pilares, com todas as limitações e desvios que a “partidarite” e o populismo vão introduzindo, designadamente com a ajuda dos “media”. Quanto aos outros dois pilares, o retrocesso é por demais evidente!
Voltando ao AO90: enquanto a França propõe como “recomendações”, não obrigatórias, uma minúscula “reforma” da ortografia do Francês (alguns acentos e hífens), por aqui “impõe-se” como obrigatório (a partir de 2015), não uma “reforma”, feita do interior da língua e para a língua, mas um “acordo” político internacional que negoceia, desrespeita e vandaliza a própria língua! E a RTP e outros “media” e editoras “obrigam” os portugueses a consumir essa “mistela” indescritível! Debate, discussão, informação? Nada disso: imposição!!! Nem na mais negra ditadura fariam melhor!
Concordo plenamente e vou mais longe, penso que a sintaxe do português, aquela que se está a pôr em prática em Portugal, está a ser muito afectada pelo modo como os brasileiros falam e pela insistência das nossas televisões em importar o telelixo que o Brasil fornece em grande quantidade. Os brasileiros, ao estarem proibidos por lei de usar termos estrangeiros, traduzem-nos à letra e ao pé da letra (erro crasso que nenhum bom tradutor comete), ao fazerem este tipo de acrobacia linguística produzem textos falados e escritos que de naturais nada têm. Para variar quem é que adopta estas baboseiras todas sem nem questionar nem pestanejar? A classe jornalista, que não só não sabe português (gostava de saber o que se ensina nos cursos de comunicação social das nossas faculdades?), como também se aventura forte e feio no terreno da tradução, tão movediço até para quem a estudou, quanto mais para quem a ela se atira de olhos tapados. Em resultado disso, temos não só os “canhões” da Figueira da Foz, para traduzir “canyon” que é um desfiladeiro, os “militantes” para traduzir “militants” que são guerrilheiros, e a mais recente “má imprensa” do Mário Crespo para traduzir “mauvaise press” que em português natural é a “má imagem”.
Se bem, por vezes, as escolhas das formas sintácticas não estejam de todo linguisticamente erradas, padecem de falta de naturalidade em português de Portugal. É disso que eu não gosto. A nossa língua é tão bonita. António Lobo Antunes disse uma vez que se perguntava se nós a mereciamos. Tendo em conta aquilo que lhe andamos a fazer com tanta frequência e tanta força ultimamente. Uma vez que os mercenários estão dispostos a vendê-la, se calhar a pergunta tem pertinência. Deixem os portugueses continuarem a moldar a língua de forma natural, língua, cultura e povo influenciam-se reciprocamente de forma natural, não por decreto, não por qualquer outra forma artificial.
Quanto ao aborto ortográfico de 90. Nem em 3015 o vou usar. Ao diabo com os imbecis.
Não discutindo as razões por que o autor do texto contra o Novo Acordo, a afirmação final é um exagero compreensível apenas pela paixão na defesa da “causa”: “seguro de estar a contribuir para a sobrevivência de uma língua, em que já foram escritas poesia e prosa da mais elevada qualidade.”
Pergunto:
1. Admitindo que o NAO avança, deixa de haver prosa e poesia de qualidade?
2. As primeiras manifestações da literatura portuguesa foram escritas (nos séc. XII e XIII) à luz de regras bem diversas das que os AO45 instituiu. Deixamos de as apreciar por isso?
Concluindo, parece-me inadequado meter no mesmo saco o estar contra o Acordo (direito inegável) e a qualidade da prosa e poesia (especulação simplista).
Poderão os autores do blogue chamar-me “acordista” (o que está por provar…) e apagar o meu comentário, sendo esse o desejo ou impulso…
Author
Claro que não. O que diz é uma simples opinião, não propaganda (intoxicação) acordista.
Ao Bettencourt
1) Admitindo que não deixa de haver prosa nem poesia de qualidade, é uma pena, porque virá tão mal vestida que quase ninguém que se interesse pelas belas-letras a suportará.
2) As escrita da nossa linguagem da Idade Média era pura e não carregava nem o estigma dum vergonhoso arriar de calças nem a marca da vilanagem modernaça em nome dum povo com literartura antiga diante de ignorantes que desprezam Portugal. Portanto, desadequado (e não «inadequado», que é anglicismo) é trazer a prosa e poesia medievais à bailha como justificação dum vil e absurdo acordo entre ignorantes. Mais que desadequado, é sofisma.
Se não é vossemecê acordita é qualquer coisa rasteira e a sua provocação aqui só foi digna de resposta para que cá não torne.
Suma-se para debaixo da pedra donde saiu.
@Nuno Bettencourt
1. Onde é que eu digo que o AO há-de incapacitar os nossos melhores escritores? Dificultar-lhes a vida? Sim. Não tenho dúvidas. Para o povo a história será diferente.
Falta argumentar, mas, se me permite, respondo apenas à pergunta feita.
2. A maior parte dos que aqui vem escrever sabe o que é uma falácia. Alguns de nós até as usamos nos textos que escrevemos. A pergunta que faz é uma falácia disfarçada. Não cola. Até porque, engraçado, tenta demonstrar a minha falácia com outra.
Vamos ao que interessa:
A) O aumento de entropia linguística diminui a capacidade de se escrever e entender de forma clara os textos.
B) O AO gera entropia linguística uma vez que aumenta o número de situações em que as palavras passam a ter significado múltiplos, para além de outros aspectos geradores.
C) Há palavras que estão a ser, aos poucos, eliminadas do vocabulário, por opção política.
D) O produto dos factores acima apresentados – é mesmo de uma multiplicação! – tem como resultado uma evidente diminuição das pessoas poderem encontrar com facilidade formas de exprimir sentimentos, emoções, opiniões, etc.
E) A prosa e a poesia não são outra coisa do que a expressão de exprimir sentimentos, emoções, opiniões, etc.
F) Tudo o que possa impedir o uso fácil, criativo, pleno de vitalidade, de uma língua é uma forma de ataque a essa língua.
F) Logo, o AO e outras formas de ataque à língua vão impedir o uso fácil, criativo, pleno de vitalidade, do português.
G) A perda de vitalidade, leva ao definhamento, à morte, e impede a “sobrevivência de uma língua, em que já foram escritas poesia e prosa da mais elevada qualidade.”
O fino recorte intelectual da argumentação e a elegância da linguagem utilizada por Bic Laranja são notáveis. O que se pretende é troca de ideias ou o unanimismo acrítico? Parece-me que o seu desejo óbvio seria esmagar todos os que não partilham a sua opinião.
Por mim, pode “levar a bicicleta”!
P.s. Era pura a escrita da Idade Média? Pegue em cinco ou seis cantigas de amor, analise com rigor a ortografia e verá que está redondamente enganado.
Author
Desculpe mas há no seu raciocínio um “pequeno” equívoco. Este “site” é CONTRA o “acordo ortográfico” e serve apenas essa finalidade. Não é aqui, se tal pretende, que deve “trocar ideias” sobre o assunto, até porque para nós, militantes anti-AO90, não há quaisquer ideias para trocar com acordistas, visto acharmos não terem os ditos nenhumas – nem para a troca nem para ficarem com elas eles mesmos. Vir a este sítio “trocar ideias”, nessa acepção (ou seja, propagandear o AO90), faz tanto sentido como um militante do PNR ir fazer tal coisa na sede do PCP. Ou vice-versa.
A sério. Não nos tente convencer de coisa nenhuma e ainda por cima em nossa própria “casa”. Tenha paciência. Aqui não. Obrigado.
Ok. Não pretendi convencer ninguém de coisa nenhuma. Se todos os argumentos (até a ideia peregrina de que o português medieval era puro) são bons, de facto, “equivoquei-me”.
Cumprimentos.
NB
Não é preciso ir a Kant. Até este livro é ilegível por estar em AO90.
http://www.wook.pt/ficha/o-ultimo-dos-mad-men/a/id/10894553
Isto (ou Ixto) não vai levar a lado nenhum. Estamos a ser tão teimosos como os coelhos, como dizem os Beatles.
Eu acho que mais giro era dizer a essas pessoas – que pessoalmente tenho pena – bazukas incluídos – levem a camioneta! Parabéns! ou a ‘carabana’… Parabéns! Continuem! “prá frente é ké o caminho” orgulho! -É isso!!! (como diz um grande amigo meu) Tirem os ‘cês’ metam os ‘tíles’ non… TUDO! FODAM A PUTA DA LÍNGUA DE UMA VÃ VEZ POR TODAS!
Non gostam da minha dialectica?
-Estou a copiar-vos.
Estou-me a búrrifar para o futuro semiológico.
-O plástico já era!
LOL
Gabo-lhe a paciência, Prezado J.P.G., mas do mal o menos. Que vá essa cavalgadura zurrar para o diabo que a carregue, porque não entender que o puro duma linguagem romance nos seus alvores (longe, longíssimo de vis escambos «ortográficos») era merecedor de corrida a pontapé.
Cumpts.
…que é o puro, digo.
Não hippie, o plástico é que está a dar.
É o plástico de quem se acha tão fracturante e de espírito tão aberto que pode dizer o que lhe apetece porque, afinal, apenas está a dinamitar formas arcaicas de relação social, as que geralmente são entendidas por boa educação. No futuro isso não terá interesse, claro, as relações terão a exactidão do corte de um bisturi. As palavras serão apenas as que se usam: brutais, simbólicas, de preferência com estética revolucionária.
É o plástico de quem diz que afinal nada importa e “pá, levem a bicicleta que eu não quero saber disso para nada”, é uma língua usada e eu quero mesmo é uma língua nova,
novinha em folha, cheia de XX e KK. Língua? Cultura? Tradição? Mas o que isso? O que nós queremos mesmo é coisas novas, de plástico! Queremos um Homem novo, uma sociedade nova, uma língua nova. Deite-se tudo fora, sejamos culturalmente contra-cultura. Até os Doors são uma banda burguesa comparados com a atitude e o vigor erótico que o Novo, verdadeiramente revolucionário e novo, produz em alguns.
É o plástico – na verdade também pode ser Giorgio Armani – de quem tira de uma cartola, sinais, não os coelhos dos Beatles – há cultura pop(?), portanto – não da dialética – até se sabe o que é a dialética(?), logo está por dentro dos métodos da Filosofia – cujo campo de interpretação cabe a uma Semiótica, mas não só: até cabe a uma irritante, enganadora e absurda Psicologia.
Não, hippie, não está muito à frente, está é pouco crescido.
Saibam os cultos comentaristas que todo estrangeiro aprende a falar portugues usando termos e conjugação verbal (gerúndio) utilizados no Brasil. Por isso o interesse no acordo. podem ter a certeza o Brasil não precisa de Portugal para nada muito menos na “língua “, aliás escovem-na bem, porque quem precisa de mandar a portuguezada toda para fora do país são voces. Portugal tem fora do pais 5.000.000 de portugueses. Isto é antes desta crise de soberbos europeus que quiseram fazer frente ao USA com uma moeda mais forte. Acordem…