EU TENHO VERGONHA! [Maria José Abranches]

From: mzeabranches@hotmail.com
To: spzs.faro@mail.telepac.pt; fenprof@fenprof.pt
Subject: Acordo Ortográfico
Date: Wed, 14 Mar 2012 19:13:39 +0000

Para:
Sindicato dos Professores da Zona Sul
FENPROF

Ex.mos Senhores,
Recebi há pouco, pelo telemóvel, uma mensagem convocando-me para um plenário que terá lugar amanhã em Faro, com o Secretário Geral da FENPROF, para tratar de “especificidades do ensino”, se não estou em erro. Já apaguei a mensagem e não me é possível verificar se eram estes exactamente os termos. Como não posso conceber que se fale do ensino em Portugal, sem discutir e pôr em causa a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, que está a decorrer desde o início deste ano lectivo, decidi aproveitar a ocasião para rever a minha já longa luta junto do Sindicato de que sou sócia (SPZS, n.º 643), no sentido de levar os professores a assumir as suas responsabilidades na matéria.

Desde 14 de Maio de 2008, venho repetidamente alertando o sindicato, que me representa, para a necessidade “urgente” de os professores tomarem consciência do teor e implicações gravíssimas que o Acordo Ortográfico de 1990 tem para a nossa língua. Na data referida enviei inclusivamente um pequeno estudo que tinha então elaborado, e que intitulei “O Novo Acordo Ortográfico — Contributo para uma reflexão necessária”.

Voltei de novo a apelar ao sentido de responsabilidade dos professores a 31 de Março de 2011 (“Apelo aos Professores do meu país: recusem o Acordo Ortográfico!”), por ocasião da projectada — para 2 de Abril — Marcha Nacional pela Educação, que finalmente não se realizou.

A 27 de Maio de 2011, seguiu nova mensagem, acompanhada de um texto em anexo, “Errar de novo, irreparavelmente”.

A 26 de Agosto de 2011, escrevi outra vez, juntando a carta aberta que entretanto enviara ao novo Governo (vd. anexo aqui). Transcrevo a seguir extractos do que então disse, pois essa mensagem continua válida, agora ainda com mais pertinência, porque os estragos são cada vez mais visíveis e a “desalfabetização” dos portugueses prossegue a bom ritmo, com o empenho, pelo menos oficial e visível, dos professores e de quem os representa:

“Dando continuidade à já longa luta que venho travando contra o Acordo Ortográfico de 1990, e de que já dei conhecimento por várias vezes à FENPROF, segue em anexo a carta que escrevi ao Governo a este respeito. Esta carta foi entretanto publicada no sítio da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (http://www.cedilha.net/ilcao) (à).

Porque, apesar de aposentada, é como professora que me reconheço socialmente, e mais ainda como professora de Português, não posso admitir que o maior atentado alguma vez perpetrado contra a nossa língua seja silenciado por portugueses e profissionais que nela têm o seu principal instrumento de trabalho! Procurei, na carta ao Governo, salientar alguns aspectos do funcionamento do Ministério da Educação, nesta matéria, que me parecem de legalidade duvidosa. A nossa responsabilidade para com os futuros cidadãos portugueses, inclusivamente no que toca ao conhecimento, apreço, respeito, salvaguarda e prestígio do nosso património cultural e identitário, não se compadece com o silêncio, a passividade e a sujeição de que vimos dando provas. Como podem os professores fomentar o espírito crítico nos jovens, se dele abdicam totalmente naquilo que é o seu domínio de actividade prioritário?

Por mim, continuarei a denunciar este Acordo, que a comunidade científica já amplamente condenou, sem que os políticos se dignem ouvi-la: está mal concebido, não é necessário, não uniformiza nada (até aumenta as duplas grafias), não corresponde a nenhuma evolução da nossa língua (português de Portugal), terá fatalmente implicações na nossa pronúncia, retira inteligibilidade à nossa língua, instaura a maior confusão ortográfica entre nós, desautoriza de vez a própria noção de “ortografia”, traz gastos consideráveis em termos de edição e publicação de tudo o que passe pela escrita, inclusivamente no universo dos pequenos e médios comerciantes e industriais, revolta a maioria dos portugueses que sentem esta imposição como um ultraje e uma submissão inaceitável às opções ortográficas brasileiras (mas os políticos, partidos, governos, P.R., A. R….não os querem ouvir!…) e … , abreviando, é UMA VERGONHA, do ponto de vista nacional e internacional! (à)”

A 12 de Outubro de 2011 escrevi de novo, a propósito da ortografia adoptada no “Jornal da FENPROF”, n.º 253, Setembro 2011. Sobre o mesmo assunto escrevi ainda a 16 de Novembro de 2011, agora a propósito do “Jornal da FENPROF” n.º 254, de Outubro 2011.

No dia 6 de Dezembro de 2011, nova mensagem, tendo em anexo o texto “Ensino do Português como língua materna ameaçado!” Como já antes sucedera, foi-me devolvida – “Delivery Status Notification (Failure)”. Aliás esta tem sido também a recepção por parte do Sindicato dos Professores de Português no Estrangeiro. Tentei ainda uma 2.ª via, que teve o mesmo sucesso!

Qualquer povo decente rejeitaria, por todos os meios, a situação que nos está a ser imposta com este Acordo Ortográfico de 1990. E convém atentar na data do mesmo já que, segundo os seus defensores, corresponderia à “evolução” e à fonética da nossa língua! Uma evolução “profetizada” há 22 anos, baseada em critérios fonéticos que ignoram o sistema vocálico do português de Portugal, e que nos obriga a retroceder pelo menos a 1943, data do “Formulário Ortográfico” do Brasil (sobretudo no que toca às “ditas” consoantes mudas)! São cada dia mais visíveis os ecos do “prestígio” que esta desfiguração aviltante da nossa língua nos está a trazer fora de portas: vejam, ouçam e leiam os media internacionais! EU TENHO VERGONHA!

Por tudo isto, e porque é para mim mais do que evidente que o “meu” Sindicato não me representa, não podendo portanto continuar a falar em meu nome, venho hoje solicitar que deixem de me considerar sócia.

É possível que esta mensagem me seja devolvida, mais uma vez! Por isso vou enviá-la para vários contactos. E, se necessário, como já em tempos tive de fazer, seguirá também por correio registado, com aviso de recepção.

Os meus cumprimentos,

Lagos, 14 de Março de 2012

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

P.S.: Reservo-me o direito de divulgar esta carta pelos meios ao meu alcance.

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17 comentários

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    • Marco costa on 16 Março, 2012 at 22:01
    • Responder

    Um grande bem haja pela luta que empreendeu! É necessário todos darmos a cara para impedirmos esta imbecilidade. Tenho tentado na minha actividade como professor fazê-lo, embora lutando contra a indiferença e a inércia que nos envolve diariamente.

    • A. Meireles Graça on 17 Março, 2012 at 0:40
    • Responder

    Minha Ilustre Senhora:
    Parece que esta luta calha mais aos reformados, como eu, esses roubados de tudo à menor oportunidade. Roubados nas reformas, nos descontos, nos subsidios, na água, na energia, no pão…pois que roubem que para isso se fazem ladrões! Mas assaltados nos nossos valores tradicionais e na nossa própria língua é crime de mão cortada, crime de lesa pátria, pura casteleirada a que um governo honesto e consciente já teria posto cobro. Mas o que é “honestidade” e “consciência” nos tempos que correm?
    Como não lhes chega esvaziar o conteúdo e significado das palavras, vai de lhes alterar a grafia, vai de trocar Portugalidade por Lusofonia, essa coisa casteleira e impensável.
    É fartar, vilanagem!

  1. Todo o invasor tenta sempre mudar o nome a Portugal – já o fizeram os Romanos, e há 2 séculos foi a vez de Napoleão.

    Mas no fim, Portugal… É PORTUGAL! 🙂

    Um abraço, e tenham calma, que se não for agora é daqui a 100 anos.
    Os Brasileiros podem até lá continuar com as anedotas. Por mim…
    A LÍNGUA IRÁ SER REPOSTA.
    -por Mim: era já Amanhã.

    Cada vez gosto mais de Camões. -Já agora: LuiZ de Camões.
    PORQUE NO QUE DEVIAM TER ALTERADO, QUE ERA MUITO POUCO: NADA .
    Os ‘ajustes’, perdoem-me o termo: foram trampa. Pior. Muito pior.

  2. “Tú falas-me de ilusões,
    eu falo-te de Vilar de Mouros.

    Fala-me tú agora do teu espírito,
    uma vez que já aqui apresentei o meu.”

    generatividade

    • Luís Ferreira on 17 Março, 2012 at 7:23
    • Responder

    Até dói ler comentários destes!

    Eu acho que está muito nas nossas mãos o “dar a volta ao assunto”. Começa a notar-se alguma divisão entre deputados dos partidos que apoiaram o AO. Penso que se a ILC chegasse à Assembleia com, por exemplo, o dobro das assinaturas necessárias, seria o empurrão necessário para dividir os que não pensam pela própria cabeça e estão à espera das ordens do chefe para votar. Talvez seja, quem sabe, a boa desculpa que o governo precisa e espera…

    Existem focos de resistência. Os juízes, cheios de razão e Direito, começaram a manifestar o seu desagrado. Os professores – atenção, não estou a ofender os professores – deviam, pela voz das suas organizações, ser muito mais claros e audíveis.

    Temos que nos concentrar todos na recolha de assinaturas. Quantas mais melhor. Não basta enviar a nossa. Temos que enviar as assinaturas do nosso círculo de amigos e garantir que, pelo menos alguns, repetirão o processo, num círculo mais alargado.

    A ILC precisa de mais activistas que façam da causa um modo de vida, um combate permanente, até à vitória. Há muito que pode fazer: deixar comentários nos artigos de blogs que se escrevam contra o AO, indicando o endereço da ILC, enviar para os nossos contactos de e-mail os links dos artigos da ILC, esperando que esses e-mails sejam propagados, fotocopiar ou imprimir o formulário e deixar sobre as mesas dos nossos locais de trabalho,… há muito para fazer, porque há muito quem não saiba da existência da ILC. É preciso é fazer e não pensar que basta assinar e esquecer, que o nosso trabalho ficou feito. É preciso combater todos os dias. É tudo ou nada!

  3. Sou de origem brasileira, moro há 20 anos na Bélgica onde sou tradutora-intérprete e professora de Português Língua Estrangeira desde 1992, sou absolutamente contra esse acordo ortográfico que visa somente aos interesses económicos (ou econômicos) de certos países.
    O que faz a riqueza da nossa querida língua portuguesa são os diversos matizes e expressões regionais usados nos 8 países no mundo onde o Português é a língua oficial e agora um grupo minoritário quer impor-nos este acordo sem o menor cabimento, com as desculpas mais sem nexo, mas que apenas visam aos seus próprios interesses individuais e não à cole(c)tividade.
    Não é com este acordo que se vai uniformizar o Português escrito, porque em muitos casos ambas as grafias são consideradas corre(c)tas como por exemplo: facto(P e África lúsofona) e fato(B), ou como nos casos das consoantes que não são pronunciadas no Português europeu e africano que são suprimidas: “receção” e que permanecem no Brasil porque são pronunciadas: “recepção”. Então, pergunto-me, onde é que está a tal uniformidade do Português escrito? Sem mais comentários.

  4. É um enorme orgulho saber que há portugueses como a Prof.ª M.ª José Abranches. Que muitos, muitos professores lhe sigam o exemplo e lutem contra a aplicação do AO90 nas escolas!! Podem começar por subscrever a ILC 🙂

    @A. Meireles Graça: Eu estou ainda muito longe da reforma e luto contra o AO90 todos os dias 🙂

  5. @Ocenilda Santana de Sousa: É isso mesmo! Qual uniformização? Pura aldrabice. Mas tanta gente foi nessa conversa e ainda nem se apercebeu do logro… (Isto para não dizer que a uniformização não faria – nem faz – falta nenhuma.)

  6. Este A.O dá-me uma tristeza indescritível. Não tanto a escrever pois recuso-me a aplicá-lo. Mas ler jornais e as legendas nos filmes e na televisão pôe-me doente! Será que a minha e a saúde mental de milhares de portugueses não conta? Não haverá por aí um estudo que diga as implicações psicológicas de uma coisa destas? Só me resta uma consolação, aprendi a escrever e ler num local que ainda (espero que nunca) não entrou neste desvario – Angola! E esta adesão calada? Só a consigo compreender pela existência dos conversores. A maioria escreve, falo em nome dos funcionários públicos como eu que diariamente redigem ofícios, relatórios, pareceres, etc, pois dizia eu, a maioria escreve como sempre e no fim, tecla com ele, lá sai A.O prontinho. Tivessemos todos que “corrigir” e outro galo cantaria à nova moda. Tuga preguiçoso!

    • Luís Ferreira on 17 Março, 2012 at 21:41
    • Responder

    Mais valia que não houvesse o tal conversor. Tenho a certeza que não haveria tanto pavão a “aplicá-lo”. Todos quanto eu conheço não escrevem em acordês. Escrevem em português. O resultado, esse, vem o que o conversor despeja.
    Nem é Tuga preguiçoso, é Tuga estúpido! Engana-se a si próprio e fica todo contente.

    • Luís Ferreira on 17 Março, 2012 at 21:44
    • Responder

    @Maria Motta,

    quantas pessoas no seu local de trabalho pensam como a Maria? Já viu quantas assinaturas nós conseguíamos juntar ao molho que já temos. Não quer recolher as assinaturas dos seus colegas e enviar?

    http://ilcao.com/docs/ilcassinaturaindividual.pdf

    É só preencher com toda a atenção às instruções e enviar para o apartado indicado.

    • Jorge Teixeira on 18 Março, 2012 at 0:58
    • Responder

    Quero expressar o meu apoio à Maria José Abranches e espero que não se canse de tentar consciencializar a sua classe profissional que, digo-o como grande pena, não tem sido nenhuma ajuda à preservação da ortografia portuguesa, antes pelo contrário.

    Um pequeno exemplo é a forma como os professores ensinam o abecedário às crianças, não como toda a gente o pronuncia e está dicionarizado – Á, Bê, Cê, Dê, Éfe, Guê ou Gê, Agá, Í, Jóta, Éle, Éme, Éne, Ó, Pê, Quê, Érre, Ésse, Tê, Ú, Vê, Chis, Zê – mas deste modo:

    A, Be, Ce, De, Fe, Gue, Agá, Ie, Je, Le, Me, Ne, O, Pe, Que, Re, Se, Te, Ue, Ve, Chis, Ze.

    (a minha transliteração quer reforçar que as sílabas não acentuadas são átonas)

    Pessoalmente, como aprendi a ler sòzinho, quando nos já longínquos anos 80 cheguei à primeira classe e deparei com este disparate não me afectou muito e como pós-primeira classe na minha escolaridade nunca mais ninguém usou esta norma aberrante “no harm done”. Mas constituiu para mim um choque, agora que voltei a ter crianças na família, reparar que esta aberração subsiste. Tinha partido do princípio de que estas invenções do “eduquês” do PREC já teriam sido expurgados. Mas não. Os professores têm perpetuado esta aberração. E agora têm consentido na imposição do AO90, com a sua omissão do debate público (de que a Maria José Abranches é uma solitária excepção) e, pelo seu trabalho nas escolas, divulgado, formatado, e feito a lavagem ao cérebro aos seus alunos para impingir o AO90 às criancinhas e através destas aos respectivos pais. Eu acho que deveriam ter todos vergonha. Porque os professores têm sido, de facto, uma verdadeira vergonha.

  7. Eu também tenho vergonha!

    • António Bica on 20 Março, 2012 at 9:49
    • Responder

    Continua a luta

    • Sofia Marques on 20 Março, 2012 at 10:51
    • Responder

    Eu também fiquei muito desiludida com o SPGL por ter adoptado a “nova grafia” e estou a pensar seriamente em deixar de ser sócia. Aliás, há cerca de um ano fui à sede do sindicato divulgar a ILC e deixei fotocópias de folhas de assinatura individuais para quem quisesse assinar; comprometi-me a ir lá daí a semanas para recolher os impressos assinados de quem não quisesse dar-se ao trabalho de o enviar por correio; a recepcionista acolheu com entusiasmo a ideia e eu pensei que poderia recolher ali muitas assinaturas. No fim, quando regressei para as recolher, o tom da recepcionista já era outro: de forma seca, devolveu-me os impressos em branco, dizendo que ninguém estava interessado em assinar. Suponho, agora com mais certeza, que terão sido instruções superiores…

  8. @Sofia Marques, o que relata é deveras triste e reflecte o que, a meu ver, é o mais lamentável em toda esta história do AO90: a obediência cega a um desígnio muito mal explicado. Por isso mesmo, é particularmente bom saber que ainda há Professores dignos desse nome em Portugal. Não desistam!

  9. Eu sempre estudei na Universidade no Brasil com livros da Literatura Portuguesa impressos em Portugal, como por exemplo, o livro História de Literatura Portuguesa, dos Professores António José Saraiva e Oscar Lopes, da Editora Porto com a grafia do Português europeu e nem por isto deixei de perceber o seu conteúdo. Viva as diferenças existentes na nossa querida língua portuguesa! Esta é a sua maior riqueza e força. Vou sempre defender este ponto de vista.

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