«Que democracia é esta?» [MJA, carta à FENPROF]

Para:
Luís Lobo, chefe de redacção do “Jornal da FENPROF
José Paulo Oliveira, coordenação técnica e apoio à redacção
Manuel Nobre, autor de “Professor de intervenção!”
FENPROF
SPZS

Caros colegas,

Recebi há dias o Jornal da FENPROF, n.º 253, Setembro 2011, que continua a ser-me enviado, visto permanecer sócia do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), com o n.º 643, apesar de reformada desde 2006.

Agradou-me o título – “Por onde anda Abril?” – do editorial do Secretário-Geral, Mário Nogueira. Mas li-o e encontrei a palavra “ruturas”… gralha? Nenhuma indicação, em rodapé, indicando a aplicação do Novo Acordo Ortográfico. Passei à página seguinte: de novo Mário Nogueira, agora sobre a avaliação dos professores. Não, não era gralha, todo este artigo usa o Novo Acordo Ortográfico, sem que a nota habitual nestes casos apareça em baixo.

A minha primeira reacção foi deitar no lixo a revista, e cancelar a minha adesão ao SPZS: o “meu” sindicato é agora uma dependência do Ministério da Educação e Ciência, apressando-se zelosamente a antecipar a aplicação do Acordo, insensível ao valor da nossa língua materna e à indignidade que este Acordo representa para quem ainda se considera português?!

Notei também que nalguns casos havia a mistura das duas grafias, por exemplo, “No Alvo – Acção social escolar” (pág. 24), em que apesar do título todo o texto vem com o Novo Acordo! Para uma professora de Português, que sempre se assumiu e assume como tal, para quem “ortografia” significa mesmo “grafia correcta”, no respeito pela língua, as suas raízes, a sua história, a sua gramática, as suas regras e a sua evolução natural (que não é a do português do Brasil) desculpem-me, mas é insuportável!

Continuei depois a ler e vi que, se havia outros responsáveis e articulistas que também usavam o Acordo de 1990, sem indicação alguma, outros havia que escreviam segundo a ortografia em vigor desde 1945, com as pequenas alterações de 1973. Entendi então que nem todos se tinham rendido à prepotência com que tudo isto nos tem vindo a ser imposto e fiquei mais aliviada! E quero aqui saudar, com toda a admiração e respeito, os colegas que se assumem clara e corajosamente como “Objectores de consciência em relação ao Novo Acordo Ortográfico”!

Desde 14 de Maio de 2008 que venho alertando a FENPROF para a responsabilidade moral e cívica dos professores nesta matéria, assim como para a necessidade de promover o debate aberto e cientificamente informado que a gravidade desta questão requer. Tenho enviado emails com textos que escrevi para o efeito e cheguei até a enviar tudo por correio registado, com aviso de recepção. Em 27 de Maio de 2011, lancei outro apelo, de que transcrevo um excerto:

«Como é possível falar em “valorizar e defender a escola pública”, sem ter em conta a importância da língua materna no contexto da formação dos nossos jovens para o exercício pleno da cidadania?
Como é possível que os professores se acomodem perante a prepotência com que a RTP, “sem contraditório”, todos os dias nos introduz em casa um português estropiado, que nem sequer está em vigor no ensino?!…
Como é possível tanta passividade e, por vezes já, tanta “colaboração activa” por parte de quem devia, na primeira linha, defender a nossa língua, a nossa História, o nosso património identitário?
Como é possível incentivar nos jovens a consciência da própria dignidade e o espírito crítico, se nós próprios nos deixamos manipular acriticamente?»

O tempo passou, houve eleições, um novo governo tomou posse, a nossa situação económica, financeira e social é cada vez mais grave, os sacrifícios que nos pedem e impõem são incontáveis…, mas esta vergonha do Novo Acordo entrou no ensino neste ano lectivo, segundo uma decisão do governo anterior, de Dezembro de 2010, que ninguém se lembrou de questionar!… Os políticos e os promotores do Acordo, designadamente as editoras, apostaram no “elo mais fraco” e, pelos vistos, tiveram razão… É que não se ouviu a voz dos professores, salvo raríssimas e honrosas excepções, nem a dos seus Sindicatos, especialmente a da “principal organização sindical de docentes” (M.N.), a FENPROF!

Mas eu sei que há muitos professores que – apesar da lavagem ao cérebro de que têm sido objecto – estão indignados com tudo isto, como aliás a maioria da população. Quem nos ouve? Quem ouve essa entidade mítica a que chamam “povo”, que os detentores de qualquer poder político tanto gostam de invocar, mas que só interessa acéfala, submissa e calada? Permito-me voltar ao editorial de Mário Nogueira: “Afinal, que democracia é esta? Foi para isto que se fez Abril?”

Porque não deixo aos outros a responsabilidade de fazer o que de mim depende, enviei ao Governo, em 27 de Junho último, a carta que segue em anexo e que poderão publicar, se assim entenderem (sem os dados estritamente pessoais: BI, endereço…). Esta carta, assim como todas as minhas outras intervenções, encontra-se publicada no sítio da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, em nome de Maria José Abranches: http://cedilha.net/ilcao

Aqui deixo o meu apelo: subscrevam e divulguem esta ILC!

As minhas melhores saudações,

Lagos, 13 de Outubro de 2011

Maria José Abranches Gonçalves dos Santos

N.B.: Reservo-me o direito de divulgar esta carta por todos os meios ao meu alcance.

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3 comentários

    • Manuela Carneiro on 14 Outubro, 2011 at 12:57
    • Responder

    Boa pergunta.

    • Alves Pereira on 19 Outubro, 2011 at 12:04
    • Responder

    Cara Maria José:
    antes de mais, o meu bem-haja pela sua clarividência e combatividade…quanto ao resto, será preciso ser-se um optimista incorrigível, para não soçobrar nesta procela de barbarismo e traição… quanto à classe profissional a que pertence: ainda bem que há algumas (se calhar, poucas, Marias como a minha Amiga) pois que aquela não é nenhum modelo para ninguém, e é com tristeza que o digo, já que a minha filha é sua colega, e não só de profissão, entenda-se.
    cumprimentos.

    • Maria José Abranches on 20 Outubro, 2011 at 17:23
    • Responder

    Caro Alves Pereira,

    Muito obrigada pela simpatia com que tem acolhido as minhas palavras!
    Mas não posso deixar de reagir à sua tão desfavorável opinião acerca da minha “classe profissional”… Encontrei aí dos profissionais mais competentes, responsáveis, dedicados, disponíveis e generosos, numa entrega total ao serviço dos alunos, tantas vezes com sacrifício da própria vida familiar e privada!
    Infelizmente, a progressiva burocratização do papel do professor e a sua concomitante “domesticação” (J. Gil) têm levado a que estes responsáveis pela formação da juventude sejam cada vez menos críticos e independentes. Obviamente que não pretendo “justificar” a passividade com que tantas vezes se submetem, muito especialmente nesta questão da língua…
    Houve tempos neste país, afinal não assim tão distantes, em que era muito mais difícil para um professor rebelar-se… E sempre houve quem fosse capaz de o fazer… É que “ser professor é, antes de mais, ser pessoa!”, como disse recentemente em mensagem enviada ao SPZS, por ocasião do “Dia mundial do professor”.

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