«Porque tudo depende de nós» Maria do Carmo Vieira

Se queres mel, suporta as abelhas, escreveu, no século XVI, Erasmo de Roterdão (séc. XVI), máxima que se aplica a todos os tempos e que põe em evidência quanto perdemos em dignidade, desistindo da nossa intervenção crítica.

Entre muitas outras situações, em que revemos, directa ou indirectamente, aquelas palavras, sobressai a forma como nos foi imposto o Acordo Ortográfico de 1990, apresentado como uma espécie de «mel» que facilitaria a escrita, simplificando consequentemente a língua portuguesa, justificação, aliás, em sintonia com a pouca exigência que reina também no Ensino. Com efeito, nada menos científico e, aparentemente, mais melífluo, pela apregoada facilidade, do que «escrever como se pronuncia». Mas estranhamente, e na lógica do absurdo, multiplica-se a publicidade de acções de formação, pagas pelos inscritos, com o intuito de os ensinar a escrever à moda do Acordo Ortográfico que, afinal, surgira para simplificar a escrita.

Foi assim que um grupo de linguistas, portugueses e brasileiros, mascarados de investigadores competentes, entrou em cena, representando o deplorável espectáculo do Acordo Ortográfico. E, por incrível que pareça, este trabalho, jogo de cedências desiguais na dependência do mais forte, foi também justificado pela necessidade de a língua evoluir. Viemos a saber, posteriormente, por diversas intervenções de actores e apoiantes, que o argumento de peso tinha afinal sido a dimensão populacional do Brasil, face aos restantes países da CPLP, e que em nome desse novo valor «democrático» se justificava a decisão tomada, ao arrepio da opinião crítica de inúmeros linguistas e dos próprios falantes. Adequada também a uma estranha postura democrática foi a alteração, de cariz colonialista, que ditada pela pressa de assinar o referido Acordo, abdicou da exigência de unanimidade entre os oito países constituintes da CPLP, tendo bastado a aprovação de Portugal, Brasil e Cabo-Verde.

Porque tudo depende de nós, impõe-se que não desistamos desta Causa, aproveitando a possibilidade de intervir com mais consistência através de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC), com força de projecto de lei, com a finalidade de revogar a Resolução da Assembleia da República nº 35/2008 que determinou a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990. O processo é exigente, pois requer a recolha de 35.000 assinaturas em papel, encontrando-se toda a documentação no endereço http://cedilha.net/ilcao.

Apelamos a todos os que não concordam com este Acordo Ortográfico que divulguem esta ILC e recolham o maior número possível de assinaturas.

Maria do Carmo Vieira (22 de Abril de 2010)

[Texto recebido por email.]

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2 comentários

    • Maria do Carmo L. R. Vieira on 21 Dezembro, 2010 at 5:56
    • Responder

    Cá estou eu, uma outra Maria do Carmo Vieira, mas não sou professora de português – sou brasileira e canadense… ou canadiana, sem correção ortográfica 😉 O tal acordo ortográfico vai mudar muita coisa no português do Brasil também! Acho que não estou mais em idade de assimilar mais estas mudanças – quando era mais jovem, já passei por pelo menos duas ondas de mudanças da ortografia no Brasil (nos anos 60 e 70, creio eu). Agora, temo que acabarei passando pela vergonha de escrever errado – coisa que sempre detestei. Não sei quem dita estas mudanças que, na realidade, não eliminam diferenças e tampouco gozam de unanimidade.
    Mudando um pouco de assunto, mas ainda no tema… Uma curiosidade eu tenho: quem chama o português do Brasil de “brasileiro”? No Brasil que eu conheço é que não é. Vai ver, devem ser outros povos, de outras línguas – como algumas pessoas aqui no Canadá, às vezes me perguntam como se diz tal e tal coisa em “brasileiro” – ao que eu respondo: falamos português no Brasil.
    Voltando aos “famigerados” acordos ortográficos… O francês também está sofrendo ameaças de uma revolução ortográfica – com protestos em todos os países francófonos – abolir o ph? o th? Que absurdo!
    Afinal de contas, quem comanda isso tudo?
    Saudações geladas por fora, mas calorosas de coração (estamos no inverno aqui no Canadá 😉
    Boas Festas!
    20/12/2010
    Maria do Carmo L.R. Vieira

  1. Mudanças ortográficas no passado e no presente sempre causam, não é, Maria do Carmo, dissabores. Por que então não se fazer uma reforma profunda de tal forma que, aprendendo uma vez, nunca mais se erre? Os valores etimológicos são peças de museus que devem ser guardados e expostos, mas não usados na vida ativa moderna. Devemos andar de automóvel ou de charrete? A ONG Alfabeto sem Amarras está divulgando em seu site proposta de profunda reforma. Veja: http://www.alfabetosemamarras.org
    Obrigado. José Perea Martins. Presidente. (jose.perea@uol.com.br)

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