Uma "decisão sumamente política"

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputados, Srs. Deputados: Ao contrário do que faria crer uma acesa polémica que temos travado sobre o Acordo Ortográfico, não é exactamente este que estamos, hoje, aqui a debater e a votar mas a sua entrada em vigor. Esse Acordo Ortográfico foi votado por unanimidade, nesta Câmara, em 1991 — aliás, privilégio que o Bloco de Esquerda não teve porque não existia à época.

Acerca do conteúdo do Acordo Ortográfico, devo dizer que, respeitando as opiniões de autores, de cientistas, de especialistas de que uma ou outra solução técnica possa não ter sido a mais perfeita, não é isso que pode impedir um olhar político e uma perspectiva de futuro acerca do idioma, acerca da língua portuguesa.

Inclusivamente, será no curso da aplicação deste Acordo Ortográfico que se podem prever revisões, melhorias, aperfeiçoamentos, e não é numa atitude isolacionista que isso pode vir a consumar-se de algum modo.

Mesmo assim, também diremos que os efeitos deste Acordo, dito de unificação ortográfica — na realidade, de aproximação ortográfica —, são os que estão previstos do ponto de vista da grafia, porque não há consequências em termos de pronúncia, como já foi dito, e muito menos implicações do ponto de vista da restrição vocabular ou de construção sintáctica no exercício da língua. Por isso direi, com o maior respeito e apreço que tenho pela obra do Dr. Vasco Graça Moura — a quem, hoje de manhã, ouvi dizer algo que me parece ser um manifesto exagero —, que nenhum português, por cair uma consoante, vai deixar de dizer «contracetivo», abrindo a vogal e, para dizer «contracetivo», fechando a vogal e. Nenhum português deixará de o fazer. É um manifesto exagero, é um empolamento de uma realidade que o Acordo não consente! Sr.as e Srs. Deputados, entendemos que o valor primacial a debate é exactamente aquele que não se faz da dialéctica dos «umbigos» dos vários falantes dos portugueses mas daqueles que são exteriores à língua portuguesa, daqueles que, em tempos de globalização, procuram aprender e conhecer o Português.

Nesse aspecto, se queremos uma afirmação internacional da língua portuguesa, não exactamente uma expansão, é absolutamente essencial que haja alguma concertação do idioma, uma aproximação das grafias.

Sr.as e Srs. Deputados, não nos iludamos. Os opositores do Acordo não querem outro. Não querem acordo na sua generalidade, na sua larga maioria. Porquê? Porque respeitavelmente defendem que não é necessário e que isso até facilitaria a diversidade das línguas. É uma opção perfeitamente estimável e respeitável, mas temos a obrigação de tomar uma decisão política. E porquê? Entende a bancada do Bloco de Esquerda — creio que o senso comum o perceberá, independentemente do exercício da pureza do idioma — que daqui a alguns anos, não ferindo este Acordo a diversidade linguística, o modo do Português que se imporá naturalmente é o Brasileiro. Portanto, quem tem essa opção acerca da diversidade da língua pela inexistência assumirá também a responsabilidade de uma defesa eventual e abstracta de um património, que se vai esvanecer perante a afirmação do modo e da grafia brasileira no contexto internacional.

São estas as opções que temos pela frente, e por isso a decisão é sumamente política.

Não deixaria passar a ocasião sem contextualizar que não será pela eficácia simples de um acordo ortográfico que podemos ter uma política de afirmação da língua portuguesa.

Nesse aspecto, muito mais importante do que este Acordo Ortográfico e do que uma certa «tempestade num copo de água» que se gerou à volta da sua aprovação e da sua entrada em vigor, é muitíssimo mais premente que discutamos linhas governamentais dos poderes públicos, da sociedade civil, da universidade, das editoras, de todos os que são agentes no curso e no devir da língua, para que o Português tenha outra afirmação no mundo, e com novos sinais de uma certa co-gestão da língua, que são ínsitos à aprovação deste Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico.

Aplausos do BE.

[Extracto do “Diário das Sessões” da Assembleia da República de 17 de Maio de 2008, apreciação (e aprovação) do 2º Protocolo Modificativo do AO90, que deu origem à aprovação da R.A.R. 35/2008.]

2008-05-16 | Votação global

[DAR I série Nº.85/X/3 2008.05.17 (pág. 37-37)]

Votação na Reunião Plenária nº. 85
Aprovado
Contra: 1-PS, 2-CDS-PP, Luísa Mesquita (Ninsc)
Abstenção: PCP, 3-CDS-PP, PEV
Ausência: Regina Ramos Bastos (PSD), Zita Seabra (PSD), Henrique Rocha de Freitas (PSD)
A Favor: PS, PSD, 7-CDS-PP, BE

[Transcrição dos resultados da votação que aprovou a R.A.R. 35/2008 determinando a entrada em vigor do “acordo ortográfico”.]

[As transcrições acima conferem rigorosamente com os originais disponíveis na Internet, à excepção dos destaques a “bold” e sublinhados, que são nossos.]

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1 comentário

    • Maria José Abranches on 31 Outubro, 2011 at 17:20
    • Responder

    A ignorância é muito atrevida! Estes políticos, que em todos os domínios tão bem nos têm governado…, não sabem que uma língua é uma instituição humana, profundamente ligada às vivências históricas e civilizacionais do povo que lhe deu vida e a forjou ao longo dos séculos!… Mas prescindem de ouvir os que sabem, os especialistas, porque o seu “olhar político” é infalível no que toca a assegurar “o futuro” da nossa língua, a língua do povo português, que aqui nasceu e aqui continua viva! Têm medo do “brasileiro”? E então, se tiver de acontecer, não precisa da nossa ajuda, que é nisso que consiste o Acordo Ortográfico! Fiquemos com o “português” e não com uma “mixórdia” abrasileirada !
    E que concepção de política da língua portuguesa é esta que começa por promover a “desalfabetização” generalizada dos portugueses? Quando se começava a verificar o resultado do esforço e dos custos investidos na alfabetização de um povo maioritária e secularmente analfabeto, vêm agora dizer-lhe que afinal não sabe escrever, que é preciso recomeçar toda a aprendizagem, que os pais, que se orgulhavam de ensinar os filhos a escrever, já não sabem, já não podem fazê-lo!… Haja “decência”!…

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