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«O Futuro da Língua Portuguesa» [semanário “O Diabo”, 23.10.12]
29 Outubro, 2012 Media

 

Análise

Portugal deve assumir-se como natural referência de uma Língua que os nossos antepassados espalharam pelos novos mundos que deram ao mundo

O futuro da Língua portuguesa

Duarte Branquinho
O interesse na Língua portuguesa cresce no mundo. Muitos consideram o português como uma das novas línguas de comércio que está em franca expansão. Mas devemos perguntar-nos: de que língua estamos realmente a falar? Reflexão.

 

A edição de Outubro da “Monocle”, uma revista fundada em 2010 que se tornou uma referência no mundo dos negócios internacionais, tem como tema principal a “Geração Lusofonia” e explica porque é que o português é a nova língua do poder e dos negócios”. A revista faz uma volta ao mundo lusófono e vai ao Brasil, a Angola, a Moçambique e, obviamente, a Portugal. A revista nota que neste processo é o Brasil que está a liderar o caminho e que Angola tem também um papel cada vez mais importante. Notando que, em relação à Língua, Portugal assumiu um acordo que o obriga a aceitar um grande número de palavras com ortografia brasileira.

Apesar disso, numa das dez “dicas” apontadas para o mundo lusófono, surge a proposta de um canal de televisão internacional lusófono, que “utilize o sucesso das telenovelas brasileiras e da alta cultura portuguesa”. Parece que este último aspecto tem sido deveras ignorado no nosso país.

A importância da Língua de Camões é salientada no editorial de Steve Bloomfield, que conclui: “Está na hora do resto do mundo começar a aprender um pouco de português”.

Mas será que será assim tão simples?

Línguas portuguesas
Falar apenas em Língua portuguesa é ignorar que co-existem, segundo os termos técnicos utilizados pela Linguística hoje em dia, Português europeu e Português do Brasil. Qualquer leigo se apercebe da institucionalização de tal diferença fundamental, por exemplo, ao seleccionar uma língua num corrector ortográfico num computador. As diferenças não se resumem à ortografia e à sintaxe, mas também assentam um extenso vocabulário, com uma enorme variedade de termos que diferem de uma variante para a outra.

Em entrevista a O DIABO, em Setembro do ano passado, António Emiliano, professor de linguística na Universidade Nova de Lisboa, explicou muito bem esta questão, dizendo: “O português europeu e o português do Brasil são variedades de matriz portuguesa com um antepassado comum, que estão já há algum tempo em processo de avançado e acelerado de divergência. Coisa que não acontece na castelhanofonia, nem mesmo na anglofonia. Na lusofonia há, neste momento, uma clivagem brutal no domínio da fonética, da fonologia, da morfologia, da sintaxe e do vocabulário entre a variante europeia, que é seguida com algumas pequenas divergências pelos países africanos e por Timor, e a do Brasil. Este problema, este obstáculo, não é de forma alguma ultrapassado nem resolvido com o Acordo Ortográfico”.

Acordo Ortográfico
A grande promessa do famigerado Acordo Ortográfico de 1990, cujos efeitos arrasadores assistimos hoje diariamente, era a de “unificar”. Ora, como é bem sabido, para além de não unificar, algo naturalmente impossível, criou diferenças que não existiam. Por exemplo, depois do AO, continua-se a escrever “género” em português europeu e “gênero” em português do Brasil. Pelo contrário, palavras como “excepção” ou “aspecto”, entre muitos outros exemplos, nas quais havia unidade, passaram a ter grafias diferentes em Portugal e no Brasil. Mas o pior de tudo são as “facultatividades” consagradas pelo AO, que provocaram um verdadeiro caos ortográfico.

Como em tantos outros assuntos de elevada importância, convém observar casos análogos em outros países e tentar estabelecer um paralelo. Observando, por exemplo, as línguas inglesa, francesa ou espanhola, vemos que não há qualquer tentativa de unificação. A conclusão parece óbvia – não faz qualquer sentido uniformizar grafias que sempre serão diferentes e evoluirão naturalmente em sentidos diversos.

Na entrevista atrás referida, António Emiliano afirmou: “Veja-se o caso do inglês, que é a primeira língua verdadeiramente global, onde há uma grande variedade de soluções gráficas e distribuídas por várias regiões do mundo. isto é algum problema para a anglofonia? Alguém, alguma vez, reclamou uma unificação? Nem sequer existe no mundo anglófono uma ortografia oficial. A ortografia inglesa não está codificada em lado nenhum.”

O que se conseguiu, afinal, com este embuste do AO? Tudo indica que apenas serviu para escancarar as portas à difusão do português do Brasil, deixando o português europeu de ser uma referência.

Expansão brasileira
Obviamente que a expansão do português do Brasil se deve a vários factores. O primeiro é, naturalmente, económico. O Brasil é uma potência regional e um dos chamados países emergentes. Como a comunicação é essencial no comércio, o interesse na Língua portuguesa, nomeadamente a que se fala no Brasil, cresceu exponencialmente.

Ainda este mês, o prestigiado jornal norte-americano “The New York Times” anunciou que irá lançar um ‘site’ em português com o objectivo de atrair leitores brasileiros. Arthur Sulzberger Jr., responsável pela publicação do “The New York Times”, justificou a opção afirmando: “O Brasil é um centro internacional de negócios e possui uma economia robusta que vem trazendo cada vez mais pessoas para a classe média”.

Esta aposta está longe de ser uma novidade, vejam-se exemplos como os dos canais de notícias BBC, que tem versão em português do Brasil, ou o do alemão Deutsche Welle, que tem duas versões: uma em português do Brasil, outra em português para África.

Outro sector em que essa preferência é notória é o ensino. A maior parte dos anúncios de recrutamento de professores de português no estrangeiro, referem especificamente que procuram falantes nativos de português do Brasil. Ao mesmo tempo, cada vez mais se utiliza a bandeira brasileira para identificar a Língua portuguesa num sinal multilingue.

Também no caso dos dicionários, há casos como o do Dicionário Larousse de “Brasileiro”

Por fim, atente-se a este pormenor deveras revelador de toda esta situação. O ‘site’ Ciberdúvidas da Língua portuguesa, patrocinado pelo Ministério da Educação e que tem como parceiro institucional o Governo português, por intermédio da Secretaria de Estado da Cultura, publicou uma notícia com o título “Língua em alta quando há elevado desenvolvimento económico”, que começava da seguinte forma: “O portal de notícias da Rede Globo, o Gl, dedica espaço alargado à expansão do ensino do português do Brasil na Europa”. Note-se que se fala especificamente do português do Brasil e não simplesmente do português. Parece que afinal não houve a tal “unificação” mágica com que tantos sonharam…

Demissão portuguesa
Que o Brasil, enquanto potência emergente, tente alargar ao máximo a sua influência comercial parece ser algo perfeitamente natural. Querer ser a autoridade no que respeita à Língua portuguesa, o que, de facto, corresponde a uma imposição da sua variante, é que não.

Há que dizer que para atingirmos esta situação muito contribuiu a demissão, quando não colaboração, de Portugal. Os nossos governantes políticos deixaram-se iludir pelas promessas de negócios facilitados com a milagrosa “unificação” que o Acordo Ortográfico traria. Para além disso, interessava cair nas boas graças do Brasil, país em acelerado crescimento económico e nova “terra de oportunidade”, especialmente numa altura de crise.

Um dos negócios apontados foi o do mercado editorial. No entanto, mesmo que as editoras portuguesas publiquem no Brasil, continuam a fazer diferentes versões para cada país porque.

Por outro lado, para além dos canais internacionais da RTP, SIC e TVI, o único canal internacional em português europeu é o Euronews, que infelizmente já adoptou o Acordo Ortográfico. Recorde-se que, no início deste ano, a RTP denunciou o contrato com a Euronews, desistindo da secção em língua portuguesa e comunicando a saída voluntária do capital da empresa. A Euronews em português apenas se mantém porque, em Julho, a Comissão Europeia e a estação de televisão internacional assinaram um contrato em que Bruxelas assume as responsabilidades financeiras para a manutenção do serviço em língua portuguesa na estação em 2013 e 2014.

Assim, a RTP mantém a participação de 2,4 por cento do capital da Euronews, assumindo os encargos inerentes a essa participação accionista, na origem dos 340 mil euros por ano e o serviço em língua portuguesa, que custa actualmente cerca de 1,5 milhões de euros, será assumido nos próximos dois anos por Bruxelas. O período corresponde a tempo de intervenção da troika e, em contrapartida, a RTP aceita manter-secomoaccionista da estação internacional e Lisboa garante a perenidade das emissões após esse período.

Outro dos instrumentos nacionais de difusão da Língua e Cultura portuguesas que tem sofrido bastante com os cortes orçamentais e com as opções políticas é o Instituto Camões. Ao contrário do que acontece com instituições similares de outros países europeus, este nunca conseguiu impor-se como representante e referência da nossa Língua.

Que futuro?
Desfazendo ilusões utópicas, há que reconhecer que a “unificação” da Língua portuguesa é uma impossibilidade, independentemente de acordos políticos ou outras acrobacias semelhantes.

Tal não deve impedir-nos de continuar a defender a nossa Língua e a sua influência no mundo. Pelo contrário, Portugal deve assumir-se como natural referência de uma Língua que os nossos antepassados espalharam pelos novos mundos que deram ao mundo, sem nunca esquecer o seu berço.

Devendo beneficiar do actual crescimento da influência económica do Brasil, Portugal não pode, pura e simplesmente, ceder e “ir a reboque”, descaracterizando errada e irresponsavelmente o português europeu.

O mundo lusófono tem uma força geopolítica que não tem sido aproveitada. Nesta comunidade internacional de estados que partilham um património de origem comum, Portugal deve ocupar um lugar colaborante, mas não esquecendo a sua posição.

Não se veja aqui qualquer posição de xenofobia ou isolacionismo – habituais críticas fáceis de quem tem sucessivamente desprezado a nossa língua. Trata-se tão somente da defesa e da afirmação do nosso país e da nossa cultura.

Nunca esquecendo o nosso Fernando Pessoa, é agora tempo de repensar a actual postura servil. Afirmemos antes: “A nossa Língua é a Pátria portuguesa”.

 

Via Teresa Ramalho (Facebook).

[Transcrição de artigo da autoria de Duarte Branquinho. In jornal “O DIABO“, 23.10.2012. “Links” inseridos por nós.]

[Nota: os conteúdos publicados na imprensa ou divulgados mediaticamente que de alguma forma digam respeito ao “acordo ortográfico” são, por regra e por inerência, transcritos no site da ILC já que a ela dizem respeito (quando dizem ou se dizem) e são por definição de interesse público (quando são ou se são).]

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"2" Comments
  1. Maria José Abranches

    Saúdo todos os jornais nacionais que, além de escreverem com a ortografia correcta, “ousam” quebrar o silêncio que nos tem sido imposto sobre a questão do AO90. Porque a língua de Portugal é de nós todos e é urgente acabar com este aparente “consenso”, a coberto do qual a nossa língua está a ser destruída e vendida, sem vergonha!

  2. Iranardo da Silva Waked Pontes

    Eu já nem sinto vontade de ler ou receber algo escrito no actual Português do Brasil, pois parece-me que levo facadas e isto me leva à loucura. Por que devo deitar fora 13 anos de estudos numa certa forma para dar lugar à uma absurdez como esta? Hã!!!!quem não enlouquece com isto?

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